30.12.06
29.12.06
ficção VII
É esta energia renascida que o faz sair da cama num ápice, ligar a hi-fi, abrir o leitor de cd’s e pôr a cavalgada das valquírias a tocar. Toma banho, faz a barba, veste-se e toma o pequeno-almoço enquanto traça os planos para o padre, o jornalista e o académico. A ideia é escolher a hipótese mais viável e o plano mais realista. Pensa na importância da primeira abordagem, na confiança que desde logo tem que ganhar ao criminoso, nas viagens, nas falsificações de documentos, em todo o trabalho que uma credível encarnação de um personagem envolve e em todos os riscos que isso acarreta. Quando sai de casa e olha o céu cinzento e a calçada seca, tem já decidida a personagem que vai encarnar: um académico estudante de psicologia a fazer um mestrado ou doutoramento (isto ainda não decidiu) sobre constrangimentos morais em homicidas involuntários.
14.12.06
12.12.06
9.12.06
há quem, de facto, seja
6.12.06
5.12.06
ficção VI
Ele está cansado, as descrições do horror e do sofrimento ecoam-lhe sem cessar pela cabeça toda. Do ponto de vista das televisões a coisa funciona, o público gosta de ver os outros a sofrer, gosta de saber que estas coisas podem acontecer, que acontecem aos outros. Ele já desligou a televisão, faz-se silêncio ouve-se agora o ronronar da Bella no buraquinho do sofá que sobra entre o corpo dele e o braço do sofá onde ele descansa um braço. Lá fora chove a cântaros, tem sido um pára, recomeça, pára, recomeça desde que chegou a casa. Vai para o quarto, despe-se, trata da higiene pré deita, deita-se, tapa-se, ouve a chuva, a bela subiu para a cama, enroscou-se no lado de fora dos cobertores, encostada a ele. Ela adormece depois de ronronar durante cinco ou seis minutos. Ele toma uma decisão, vai envolver-se no acidente, vai querer excomungar de si próprio o pior que o habita.
4.12.06
surrealismo (só pode...)
- há dessas coisas?
- há!
- e há verdades vs intimidades.
- também?
- parece-me que sim... que há-de ser verdade...
- ok... e Hades?
- Hades? hás-de ver que Hades, na mitologia grega, é o deus do mundo inferior, soberano dos mortos.
- só isso?
- só.
- e ás de... ás d'espadas? tem a ver com o uso da espada? um(a) ás? então porquê? porquê um(a) ás?
- tem a ver com as idades...
- ah sim?...
- sim, mas não falo das biológicas, falo das de dentro, das que se sentem.
- mmm... entendo...
- entendes?
28.11.06
ficção V
Regressava-lhe à mente a imagem da criança de cinco anos, o horror, o sofrimento, o sangue, a crueldade, a impotência perante o inevitável, a morte dos pais nos olhares de despedida. Está pálido, tem vontade de sair do banco e correr sem destino até à fadiga, até ao fim do mundo e, aí, no fim do mundo, atirar-se de um precipício sem fim para nunca mais ter consciência de si. Mas não, não vai fazer nada disso, vai acalmar, está quase na hora do almoço, vai sair, almoçar e regressar para, desta vez, fazer algo de produtivo e deixar de pensar no acidente.
A tarde passa a correr, ele continua a fingir que trabalha, anseia por chegar a casa e trancar-se a ouvir música, a ler e a fazer festas à gata, a Bella. É isso que faz quando sai apressado da agência quase sem se despedir dos colegas. Está agora na segurança do seu sofá a ouvir os nocturnos de Chopin enquanto afaga a Bella ronronante no seu colo. A gata está lá em casa há dois anos porque o seguiu até lá numa noite de chuva em que ele regressava a casa já de madrugada, depois de uma noite de copos. Não conseguiu afastá-la, não teve coragem, além disso, estava demasiado inebriado para a afastar, não precisou de a agarrar, ela seguiu-o na rua, entrou no prédio e continuou a segui-lo durante as escadas que o levaram até ao segundo andar, depois da porta aberta, a gata, a Bella, ainda jovem, branca, preta, escanzelada e encharcada, entrou primeiro do que ele como se aquele apartamento fosse a sua casa, passou desde então, a ser mesmo.
23.11.06
ficção IV
O gerente do banco, homem atento e muito experiente nestas coisas do negócio, adivinhou-o desde muito cedo como um excelente bancário em potência. Com efeito, desde o ano passado que o convidou a ter um pequeno “gabinete” só para si, o pequeno gabinete onde se senta agora, de frente para o computador e em busca de mais pormenores sobre a notícia que o atormenta desde manhã. Deixou de fazer atendimento ao público para se sentar no seu próprio espaço onde só atende os maiores contribuidores para a causa da empresa. O trabalho dele consiste em avaliar solicitações de empréstimo, entrevistar os solicitadores, examinar os documentos descritivos das suas situações financeiras e, eventualmente, contactar outras instituições públicas ou privadas para, entre outras coisas, obter a confirmação da veracidade de toda a documentação que estas coisas envolve. É no fundo um gestor com parte activa na avaliação das condições que um cliente tem (ou não) para contrair um empréstimo.
Esta subida de posto que o mantém afastado das filas de gente que se acumulam ao balcão, foi o fruto de anos de trabalho dedicado e sem máculas. Foi sempre um profissional exemplar, os clientes procuravam sempre que fosse ele a atendê-los, era, salvo raras excepções, simpático, sorridente, descontraído e sempre muito atencioso. Tinha uma capacidade comunicativa tão subtilmente manipuladora que apressava o cliente mais demorado, insistente e falador, lançando apenas um rápido olhar ao cliente que se encontrava atrás na fila. Se, por outro lado, um cliente se mostrasse ansioso, nervoso ou apressado, agravava um pouco o tom de voz e conversava com ele olhando-o nos olhos enquanto que as mãos, os braços e os dedos se movimentavam quase como que numa dança onde a papelada e o dinheiro faziam de seu par. Este cliente, o ansioso, acabava muitas vezes por encontrar neste momento em que se dirigia ao banco, uma espécie de intervalo de toda a ansiedade que o assaltava antes e depois de sair da agência.
21.11.06
20.11.06
o tempo...
como se fosse ele mais dono das nossas vidas
como se não nos encontrássemos sem ser nele
como se fosse ele eterno no tempo que nos tem
como se houvesse quem, por medo, fuga ou cegueira
o evitasse e o olhasse com o desdém de quem acha
que o tempo não é mais do que isso, um cruel ditador
que caprichosamente traça linhas de dor ou amor
que nos joga à sorte (ou azar) na mesa do mundo
que nos faz por aqui andar muito sem parar nem pensar
e nos faz acreditar que, no fundo, é ele e só ele
o tempo,
que nos faz e nos dá o que fomos, o que somos e seremos
e como se isso fosse verdade… como se fosse só isso,
cá andamos nós à procura de cairmos nas graças do tempo.
19.11.06
ficção III
18.11.06
16.11.06
ficção II
ficção
14.11.06
tá quase!!!
13.11.06
marca registada
no fundo, trata-se de um processo de auto conhecimento que ajudará o sujeito a encontrar um equilíbrio interior onde o espaço que habita assume um papel preponderante num real sentimento independência perante o mundo. este processo de auto conhecimento através da independência e a consequente criação de uma marca registada própria, faz com que, mais tarde, este sujeito tenha uma visão mais alargada de qualquer espaço que possa vir a partilhar com alguém, uma visão mais descentrada nele próprio, mais respeitadora, mais capaz de negociar a gestão de espaços e tempos comuns a outro.
beber e ser bebido
12.11.06
11.11.06
10.11.06
7.11.06
agitação
para que possa escrever
com emoção,
espero que ela me grite
impacientemente
e com agitação
ou então,
esperarei
pela emoção
para que escreva
ansiosamente
e na agitação
de quem escreve
enquanto a alma grita
e o faz eloquentemente
antes que o intelecto
engula a emoção
e me obrigue a escrever
sem o familiar afecto,
pai dessa agitação.
4.11.06
sem lugar nem tempo
e não houvesse um lugar,
como se não importasse
todo o mundo lá de fora,
a multidão, a chuva ou o sol,
como se nada disso importasse
p’ra se viver um amor assim
sem princípio, meio ou fim,
sem amarras nem esconderijos,
como se o importante e o bastante
fossem os dois que se amam assim.
3.11.06
2.11.06
ler e escrever, ter e ser
pouco antes da deita, pouco antes de um despertar matutino como há muito se não via, pouco antes de regressar à escola, escrevo meia dúzia de frases. escrevo sobre o que por aí se escreve e se lê, escrevo sobre o prazer de quem se dá, o prazer de quem recebe e de quem usa a língua e o intelecto para espraiar as emoções. escrevo sobre o prazer de ler e ter um amigo aqui à mão, um amigo a quem nos aproximamos ansiosamente sempre que nos agarramos à setinha do computador para seguir a ligação do seu cantinho, sempre na esperança de lá encontrar algo de novo, um novo post, uma nova mensagem, uma nova partilha. é uma alegria ter amigos também aqui tão perto, nos “favoritos”.
quando leio, leio tudo. leio quem me lê e até deixo que me leiam sem que me escrevam uma palavra que seja. também sou capaz de ler sem escrever, é raro mas faço-o. quando escrevo, escrevo o que me apetece, sobre o que me apetecer. faço-o muito para mim, muito para tornar clarividentes uma ínfima parte das ideias que me passam pela cabeça. sei que sou lido, não sou indiferente a isso mas não é isso que me molda a escrita. às vezes sou parco em palavras que dizem muito, outras vezes digo mais.
aos que leio, conheço-os um bocadinho melhor, conheço-os na franqueza do que escrevem, conheço-os nas alegrias, nas tristezas, nas dúvidas e nas certezas, conheço-os no receio que não têm para esconder, conheço-os no que me dão a ler (também a mim). sou muitas vezes surpreendido com o que leio, surpreendido pelas emoções que me chegam em palavras, pelas sensações que o espírito alcança em leituras que começam vagas até que são lidas e relidas até à medula de cada texto, de cada frase, de cada palavra, vírgula ou ponto, até ao espelho de quem se me dá. há coisas difíceis de ler, há coisas simples de se entender, há desabafos, interrogações, mistérios, fascínios e exaltações, há histórias e memórias, há todo um mundo comunicativo altamente enriquecedor. por ler e escrever, sinto-me muito mais encontrado, sinto que tenho muito cá dentro e que muitos me habitam com uma grandeza inédita. é por isso que escrevo e é por isto que leio.
1.11.06
30.10.06
o sol de sexta deu nisto
moínho despido (ou base lunar?)
28.10.06
as pessoas de quem gosto como se fosse um brainstorming
26.10.06
meteorologia pouco científica e à espera do sol
24.10.06
22.10.06
19.10.06
impressões
se uma imagem vale por mil palavras, será que quando traçamos a imagem de alguém que mal conhecemos, estamos em condições de dizer que temos mil palavras para esse alguém? duvido… é ponto assente que a primeira impressão tem um enorme peso nos juízos que (consciente ou inconscientemente) fazemos de alguém que acabámos de conhecer. a partir daqui e consoante a dimensão (profissional, sentimental, emocional, ocasional, …) em que passamos a enquadrar esse alguém, dedicamos mais ou menos tempo a conjecturar uma imagem, um perfil que nos garanta alguma segurança nos dados que retemos dessa pessoa. é também ponto assente que todos sabemos isto, sendo portanto perfeitamente natural que todos criemos resistências perante o contacto com um estranho. ora se assim é, se dois perfeitos estranhos se encontram exactamente no mesmo ponto de partida no conhecimento do outro, o mais certo é criarem-se imagens fictícias baseadas em suposições espontâneas que, por sua vez, se convertem em crenças infundadas ou, diria mesmo mais, em ilusões. durante este processo, há ainda o factor “sexto sentido” que, quer queiramos quer não, acaba por ter um enorme peso no interesse que o outro nos pode (ou não) despertar. este sexto sentido (de explicação difícil) é o mesmo que nos faz pensar e decidir se a primeira impressão foi boa ou foi má. no limite, acabamos sempre por fazer esta divisão estanque acreditando que raramente nos enganamos na primeira impressão que tiramos de alguém… poderemos estar certos como poderemos não estar…
17.10.06
mais chuva
16.10.06
poema matinal
o vento despe a última roupa às árvores
e sopra como que a avisar:
“abriguem-se que trago a chuva no ar!”
o branco acinzentado do céu confunde-se,
confunde-se com as fachadas ao léu,
é ainda uma claridade de outono
que cobre a cidade como um véu.
as pessoas caminham de sombreiro na mão,
trazem vestígios da noite no olhar
trazem o atraso de quem apressa o caminhar
e, de olhar no chão,
denunciam a pouca vontade de trabalhar.
nesta manhã de segunda-feira
(em que se sente o inverno aí à beira),
caminha assim esta humanidade
por entre os outonos da cidade.
15.10.06
14.10.06
ícaro
13.10.06
pequeno apontamento sobre blogs amigáveis
tudo isto é ainda muito novo para todos, toda esta exposição é ainda um pouco assustadora, é verdade… mesmo assim, continuamos a dar corda aos dedos e uso às teclas, com a sinceridade particular de quem o faz sem vícios nem enganos por entre as virtualidades do interior de cada um. é como se nos atirássemos de cabeça para dentro de nós mesmos e mergulhássemos através de um mundo onde encontramos toda a gente. no fim, acabamos por reparar que não fomos os únicos a fazê-lo e sentimo-nos em casa.
um blog é um lugar, um post é uma mensagem e um comentário é essa mensagem devolvida com um bocadinho de quem a ouviu.
12.10.06
mais pessoa...
mudo, mas não mudo muito.
a cor das flores não é a mesma ao sol
do que quando uma nuvem passa
ou quando entra a noite
e as flores são cor da sombra
mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
por isso quando pareço não concordar comigo,
reparem bem para mim:
se estava virado para a direita,
voltei-me agora para a esquerda,
mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés
o mesmo sempre graças ao céu e à terra
e aos meus olhos e ouvidos atentos
e à minha clara simplicidade de alma…
deixem
deixem ver quem vê
deixem vir quem vem
deixem ter quem tem
deixem a nuvem chover
deixem o céu escurecer
deixem o sol brilhar
deixem o vento soprar
deixem o sangue lutar
deixem a pele a suar
deixem em paz o olhar
deixem-me ser assim
deixem-me ser em mim
deixem-me estar
deixem-me escrever
deixem-me ser
assim como sou
p’ra quem quiser ver
10.10.06
drago, querias poesia? pois bem, aí está!
não se inquiete e não trema, não
não pense na poesia e ria, sorria
ria de quem pensa que por ser poeta
despe a alma p’ra quem cego é
mas sorria com quem a vê como ela é
e na poesia pára, sem fé, a olha e a escuta
e a vê, a ela, à alma, como ela é
não se inquiete e não embarque nessa luta
não queira ver com os olhos do poeta
e tente ter como suas as palavras que lê
como quem escreve como ama e é poeta
como quem ama como escreve e é amante
e como se tudo isso não fosse o bastante
p’ra na poesia se confessar a quem a lê.
9.10.06
escolhas
o problema das escolhas é o de corrermos o risco de fazermos a errada e acabarmos por cair no poço do arrependimento, contudo, será mais fundo o poço de quem (confrontado com escolhas) opta por fazer a mais passiva de todas e escolhe nada fazer, permanecendo passivo à espera que seja a vida a decidir por si... quando assim é, é a vida que vive as pessoas e não o contrário...
não é minha intenção tornar estas palavras num discurso moralista, não me sinto legitimado a fazê-lo... estas palavras tornaram-se-me necessárias após uma pequena conversa com uma amiga, uma conversa a propósito da vida, das escolhas, da coragem e da cobardia, da inércia e da iniciativa... estas são as palavras de quem, por vezes, se sente desapontado com quem se deixa levar pela vida carregando-a entre o medo de arriscar e a vontade de ser feliz.
6.10.06
interrogações entre o lusco e o fusco, entre quem as escreve e quem as lê
o que se vê nem sempre é o que se exibe.
o que se sente foge-nos aos sentidos mas vive...
no fim e afinal, resta-nos o quê?
que se viva com os enganos dos sentidos?
com os sentimentos exibidos ou contidos?
com as certezas assumidas ou escondidas?
no fim e afinal, vive-se onde?
nas grades d'almas aprisionadas?
no medo de gestos no escuro?
no receio de sorrisos iluminados?
na verdade em cada lado do muro?
no fim e afinal, vive-se de quê?
vive-se d'alegria de espíritos libertados?
da liberdade de sentidos alegrados?
da candura de olhares embasbascados?
sei o que digo mas digo mais,
sei que se vive do calor do sol,
sei que se vive da melancolia da lua,
sei que há vida na alma que é minha
e que ela vive um pouco na tua.
5.10.06
pensamento
bernardo soares,
ajudante de guarda-livros na cidade de lisboa
e heterónimo de fernando pessoa
28.9.06
pessoas assim
são genuínas e muitas vezes puras
são-no mais vezes do que o normal
mais felizes do que as outras que são duras
fazem-nos sentir como Humanos que somos
fazem-nos abandonar tudo o que é acessório
fazem-nos sentir tudo o que somos e já fomos
esquecemo-nos do mundo com pessoas assim
e somos completos no meio de pessoas assim
try walking in my shoes
the pain i've been subjected to
but the lord himself would blush
the countless feasts laid at my feet
forbidden fruits for me to eat
but i think your pulse would start to rush
now i'm not looking for absolution
forgiveness for the things i do
but before you come to any conclusions
try walking in my shoes
you'll stumble in my footsteps
keep the same appointments i kept
if you try walking in my shoes
morality would frown upon
decency look down upon
the scapegoat fate's made of me
but i promise now,
my judge and jurors,
my intentions couldn't have been purer
my case is easy to see
i'm not looking for a clearer conscience
peace of mind after what i've been through
and before we talk of any repentance
try walking in my shoes
26.9.06
moment
esta imagem, como muitas outras, interessa mais pelo momento em si do que por qualquer outra razão. se repararmos com atenção, há quatro rapazes em perigo iminente, em risco de cair e se magoarem seriamente. o quinto, o mais novo, tapa a luz com a mão para poder ver com mais clareza e menor esforço as movimentações “estranhas” que acontecem no seu recreio (é o fotógrafo a procurar o melhor enquadramento para os cinco rapazes que brincam). no fim, nenhum dos quatro se magoou e o quinto regressou à brincadeira.
cinco minutos, cinco à mesa e um encontro
o nosso personagem vê-a aproximar-se mas continua a duvidar que um dos dois amigos com quem está, lhe é comum a ela. deixa de ter dúvidas quando os vê sorrir ao mesmo tempo que se olham para se cumprimentarem e nessa altura repara que é capaz de ouvir o coração a bater caso decida escutá-lo… endireita ligeiramente a coluna e desencosta-a das costas da cadeira, põe as duas mãos em cima da mesa, olha para ela, para o whisky e para a água e fica indeciso sobre qual dos copos há-de agarrar.
ela está de pé, de lado para ele enquanto conversa com o amigo em comum no único lugar vago de uma mesa onde se sentam três. ele olha-a de frente, olha-a sem pudor e com o prazer de quem olha a beleza feminina como ela é. esquece-se do segundo amigo (que entretanto deve estar tão apreciador quanto ele) e olha-a assumidamente, obviamente e interessadamente enquanto escuta a sua voz que é calma, doce e baixa mas não demais. é uma voz que se ouve a vir desde o fundo das cordas vocais. quando a vê sorrir para o amigo e sente no sorriso a sinceridade de quem o faz naturalmente e sem artifícios, o interesse sobe na hierarquia e torna-se numa vontade.
interrompe a conversa que ela mantinha com o amigo em comum há um par de minutos, dirigindo-se ao amigo no tom brincalhão de quem acha muito pouco cavalheiresca a ausência de um convite para que a amiga se sente à mesa. é ela quem responde lá do alto de quem se encontra de pé e, apontando com olhar para a amiga que entretanto se havia sentado numa mesa nas costas do personagem, lhe diz que está com ela. ele volta o pescoço e vê a amiga sentada, sozinha à espera, volta-se novamente para ela e diz-lhe que também a amiga será bem vinda à mesa.
25.9.06
solidão
24.9.06
a escrita serve-me
a música em K
22.9.06
killer love
and stay all night with me
you won't find a girl in this damn world
that will compare with me
i can't get down and i won't get down
and stay all night with thee
for the girl i have in that merry green land
i love far better than thee
she leaned herself against a fence
just for a kiss or two
and with a little pen-knife held in her hand
she plugged him through and through
come take him by his lilly-white hands
come take him by his feet
and throw him in this deep deep well
which is more than one hundred feet
lie there, lie there, little henry lee
till the flesh drops from your bones
for the girl you have in that merry green land
can wait forever for you to come home
and the wind did howl and the wind did moan
a little bird lit down on henry lee
21.9.06
o elogio da chuva
ou foi o céu que se rasgou?
algum deus que se zangou?
ou as estrelas derreteram
e correram
por aí abaixo?
eu não sei mas acho
que é algo de bom
esta água que cai
agrada-me
o som
e fica-me
o cheiro
de terra molhada,
a visão
de rua lavada,
a sensação
de alma refrescada,
e o paladar
doce e quente
de quem sente
na água que cai
a boca do céu.
20.9.06
no effects
19.9.06
encontros
18.9.06
olhares invasivos
14.9.06
vivo
vivo em cada gota a vida que me cai do olhar
vivo na pressa de quem vai, para voltar a ir
e na certeza de quem aqui escreve só por falar
vivo as minhas noites antes dos dias
e tenho as madrugadas como guias
acordo e vivo antes de adormecer
vivo acordado até mais não poder
assim vivo e volto a viver
até a noite eterna chegar
que um dia me há-de vir ver
e nos braços me há-de levar
11.9.06
no mar
8.9.06
a caminhada
segue para sudoeste e caminha com um sorriso nos lábios, deixou a frieza na sibéria e começa a sentir a frescura de ambientes mais temperados. caminha sem parar e vai descansando quando isso é o mais sensato que há a fazer. dorme de noite ou de dia consoante a força do sono. todos os dias pensa na visão do paraíso que alimenta a sua vontade de caminhar em frente, sonha com ele quando dorme e vê-o para onde quer que olhe, sabe que faz o que pode para o alcançar e isso preenche-o. caminha numa primavera povoada de flores, árvores, cheiros de primavera e imponentes árvores que lhe dão a sombra do descanso. aproxima-se cada vez mais de climas quentes até que lhe começam a causar uma espécie de caos interior os conflitos e turbilhões do médio oriente, não é nada com ele e não se mete, desvia as suas atenções para as montanhas rochosas despidas de neve, há muito que não via montanhas quentes e despidas de neve. os cheiros frescos da primavera começam a ser escassos, sente que se vai aproximando cada vez mais de uma brisa quente e constante que o ataca de frente, virá a descobrir que é o deserto. quando de repente o encontra (ao deserto), encara-o de frente e diz-lhe que não tem medo dele, que já não é a primeira vez que caminha num deserto, que não baixará os braços e que caminhará pelo meio dele mesmo que no meio não encontre o paraíso, o oásis que havia sonhado lá encontrar. agarra as alças da mochila com as duas mãos perto dos ombros, inclina levemente a cabeça para a frente e dá o primeiro de muitos passos decididos. vê-se agora a atravessar o deserto, as esperanças de encontrar o paraíso prometido são cada vez menos, a preparação (para o pior) que trazia consigo, impede-o de se vergar às circunstâncias. faz um pequeno desvio para norte e sente o deserto a afastar-se, regressa para sudoeste e tenta uma última procura, sente que será a última porque se lhe esgotaram as forças da esperança. durante toda uma semana, deixa de ver o paraíso, nem uma miragem, nem um sonho. é o ponto de viragem. muda novamente de rota mas desta vez sem se preocupar com o destino ou a orientação. alguns dias depois desta viragem, dá consigo parado em frente a um enorme mar, já só pode seguir em frente se embarcar. está calor sem ser em demasia e sente o aroma fresco da água a misturar-se-lhe com a transpiração que lhe ocupa a pele. o mar deixa-o intrigado, interessado, embarca e envolve-se de ondas que lhe deixam a alma a flutuar como há muito não acontecia. está bem agora o nosso caminhante.
6.9.06
pequeno apontamento sobre o jogo da sedução
4.9.06
a propósito de desenvolvimento humano
3.9.06
dizem os astros
- pronto, tá explicado!
http://www.astro.com/
não admira que haja tanta gente interessada (quiçá viciada) nestas coisas, senão vejamos:
"venus was in the third house of your horoscope at the time of birth. you are keenly interested in the creative arts, and your thoughts and words are surrounded by a halo of beauty, taste, and proportion. your mind actually feels the emotions connected with nature and the higher aspects of things human."
quem é que não se sente bem depois de ler coisas destas a seu respeito? (e estas nem são das mais elogiosas!)
29.8.06
aí vem o setembro
mês de começos mais do que janeiro
fim de um ciclo desde que me lembro
início outonal como se fosse o primeiro
setembro traz com ele a exigência
de mês que não está para brincadeiras
de mês em que não se cantam janeiras
de mês em que o relógio perdeu a clemência
é mês imbuído em amarelo-torrado
e peles acastanhadas pelos braços do sol
é mês de esplanadas ainda saborosas
de dias quentes e noites ventosas
paredes de coura
o último festival havia sido há demasiado tempo, há anos... regresso sem tenda e com mais 11 numa casa e todos os confortos que ela oferece. paredes de coura é o paraíso na terra, o verde nunca acaba, o rio corre sempre e o anfiteatro é pura obra da natureza. este cenário, aliado ao cartaz, obriga-me a repetir este festival e não outros. a liberdade vive-se entre o paraíso, a amizade dos que nos acompanham e a música ao vivo 12 horas sem parar. mas não foram só coisas boas, não, houve a chuva que aparecia de vez em quando e obrigava a malta a tapar-se com as recém-adquiridas gabardines e, ainda pior do que a chuva, a cerveja heineken (de pressão!), a única coisa que se podia beber para além de água... isto até teve o seu lado positivo: não apanhei nenhuma tosga monumental e, no fim de cada noite, o caminho para casa, que era sempre a subir, estava facilitado pela ausência de álcool em exagero no sangue. para além das surpresas agradáveis dos madrugada, dos yeah yeah yeahs e dos gang of for, os block party não desiludiram e os bauhaus surpreenderam por tocarem quase trinta anos depois como se tivessem acabado de sair do estúdio.
28.8.06
uma aventura em laredo
26.8.06
guggenheim
é um lugar do futuro. desde a arquitectura, aos materiais e equipamentos, o edifício só por si é digno de contemplação. para além das exposições permanentes (de cariz moderno e visionário), as galerias nobres (chamo-lhes assim porque as acho dignas do nome) tinham em exposição uma retrospectiva de toda a pintura russa desde o século XIII ao século XXI, uma delícia!
as horas que ali passei custaram-me uma dor num tendão da perna esquerda durante os dois dias seguintes. este foi um preço bastante baixo comparado com o prazer dos passeios por entre cada galeria, cada corredor, cada lance de escadas e cada metro quadrado de espaço caminhado.
telegraficamente bilbao
espanhóis em poucas palavras
desde a juventude até aos mais velhos (aqueles a quem chamamos os da “terceira idade”), todos são vistos a circular nas ruas depois da meia noite. é uma atitude cultural que só enriquece o país e as mentalidades dos seus habitantes. nós por aqui não, nós, na rua depois da meia noite, só temos a juventude e os “boémios”… é pena…
os espanhóis sabem-se divertir mas têm um péssimo gosto musical e são capazes de (num bar ou discoteca) repetir a mesma música 5 vezes seguidas em apenas duas horas… falam mal (quando conseguem falar) qualquer língua que não seja a deles e têm uma – digamos – não muito boa imagem dos portugueses. talvez alguns tivessem mudado de opinião ou, pelo menos, suavizado essa visão menos boa…
24.8.06
3.8.06
um estranho nesta cidade
tenho marcado a minha existência aqui pela luta em frente, pelo bem comum (esse conceito esquecido por entre avanços tecnológicos e outras mais revoluções). tenho trabalhado aqui e ali, já estudei e volto a fazê-lo, tenho procurado fazer bem o que faço, tenho-me mantido aberto a todas as aprendizagens que a vida, as pessoas e o trabalho me dão mas mesmo assim, esta cidade não me abre os braços.
sou mais uma vez um estranho de passagem, um estranho sem a segurança do seu poiso nem o descanso do caminho certo, um estranho sem (o seu) amor. um estranho mais uma vez entregue ao destino e aos caprichos desta cidade, um "sobrevivente", como alguém me chamou. mas a sobrevivência cansa... é talvez por isso que me sinto demasiado crescido, envelhecido até. estou cansado de (sobre)viver assim, cansado de tanto remar contra a corrente, de ser um vagabundo na cidade que desde o primeiro dia acolhi no coração como se de um amor à primeira vista se tratasse.
2.8.06
outro sentido
um sentido na vida
dois sentidos na estrada
um destino na ida
dois amigos, uma caminhada
vou
deixar esta cidade p’ra trás
e vê-la afundar-se nas muralhas
abandonar o sentido fugaz
de quem se enche de migalhas
embarcar na viagem p’ra norte
sempre em frente até ao mar
beber a paz que vem com o ar
e acreditar na boa fé da sorte
sentido
o meu corpo alimenta a cada passo
um coração mole
e um olhar lasso
na frescura da noite e na presença da lua,
a minha alma alimenta-se de luto
entre o conforto do sofá e a calçada da rua,
entre os olhares fundos que a deixam nua
entre a noite e o dia,
vou encontrando sentido
em quem o olhar me guia,
em quem mo tem tido.
30.7.06
(a mais bela e triste canção de amor)
and ambitions are low
and resentment rides high
but emotions won’t grow
and were changing our ways, taking different roads
then love, love will tear us apart again
why is the bedroom so cold?
you’ve turned away on your side
is my timing that flawed?
our respect runs so dry
yet there’s still appeal that we’ve kept through our lives
but, love, love will tear us apart again
you cry out in your sleep
all my failings exposed
and there’s a taste in my mouth
as desperation takes hold
just that something so good just cant function no more
but love, love will tear us apart again
29.7.06
existência
25.7.06
um cigarro
num cigarro deposito o peso que me atrasa o pensamento e a emoção que me acalma o sentimento. com um cigarro tudo fica facilitado no momento da passa, no preciso momento do olhar vazio sobre o cenário do nada, no paladar do tabaco e no prazer do fumo. o cigarro é a minha muleta na doença do pensamento e a fuga para a liberdade na prisão do sentimento.
talvez um dia o abandone à porta da minha felicidade e deixe de ter nele o prazer da liberdade. quando assim for, se assim for, é bom sinal, é sinal que a alma, o sentimento e o pensamento, já não precisam do fumo para irem mais longe.
curtíssima (inacabada) em palavras
tensão… surpresa… ilusão! frieza!
- corta. repete!
sensação… fragrância! emoção… ânsia…
- não, não, nada disso, repete se faz favor…
prontos? acção!
coração… rapidez! comichão… malvadez…
- ei, ei! isso é o quê?
vamos lá parar com isso e recomeçar tudo de novo se faz favor!
...
23.7.06
o silêncio
pode ser cúmplice na igualdade do nada
pode ser tudo num momento de guerra
pode levar-nos longe na conquista do céu
ou acabar por nos fazer cair por terra
o silêncio
cai bem às vezes
cai mal também
cai como cai
dependendo de quem
o silêncio
pode trair
pode ferir
sem sair
e sem cair
mas o silêncio
fica sempre bem
com quem
no silêncio nos tem
17.7.06
domingo negro descrito na primeira pessoa com o bónus da análise da coisa na terceira pessoa
vê-se logo que os últimos dois posts foram escritos num domingo. num domingo infernal, quarenta graus à sombra. vê-se logo que não é um domingo qualquer, que é um domingo negro, daqueles domingos que pesam mais do que qualquer outro domingo, daqueles domingos que ficam gravados na pele como se de cicatrizes se tratassem. o dia caiu-me em cima no preciso momento em que acordei. percebi logo nos primeiros segundos que aquele não ia ser um domingo qualquer… sem razão nenhuma (objectiva e clara, pelo menos) vejo-me acordado, a fumar o primeiro cigarro e a pensar na melhor forma de se apanhar um domingo assim sem ficar com grandes mossas. tá visto que fosse qual fosse o plano, a coisa não funcionou e a prova são os dois posts impregnados de soturnidade. ainda por cima, o post anterior havia sido escrito num momento de candura, daqueles momentos que nos fazem perceber a alma e corpo a sorrirem de mãos dadas enquanto olham o céu. mas isso já não interessa e o domingo até acabou por ser pródigo em trabalho (foi aí - já tarde - que acabei por encontrar solução para um domingo assim).
análise da coisa na terceira pessoa
curiosa a brusca mudança de tom nos três referidos posts. nota-se que o autor foi inconstante, de uma rapidíssima alteração de humores, saber-se-á porquê e daí talvez não… não vamos especular, limitemo-nos a olhar os factos e a deixar as suposições, afinal de contas, conversamos num icebergue. mas também não vale a pena perdermos tempo a pensar no que estas ou aquelas palavras poderão querer dizer porque temos mais que fazer! a culpa é toda vossa, são vocês os culpados por fazerem com que o gajo escreva, mimam-no, elogiam-lhe a escrita, enaltecem-lhe o ego e depois é isto, põem-se a ler estas palavras casuais como se algo importante se tratasse. seja como for, o autor, esse gajo, pediu-me para lhes agradecer o incentivo e a partilha. até já.
16.7.06
cry vs weep
they are merely crying son
o, are they merely crying, father?
yes, true weeping is yet to come
14.7.06
peça de pedaço de vida
que no acaso me dão encontros destes
e sem que o queira nem o peça
me largam no meio de uma peça
escrita pela mão de um qualquer ente
que tanto pode ser deus como gente
que peça é esta a que é escrita
onde cada personagem é real
e em cada página descrita
não se consegue ver o mal
digam-me quem escreveu o argumento
de uma peça assim
e não me façam perder nem um momento
a pensar que tem um fim
digam-me quem compôs esta música
que faz correr a água
e põe os pássaros a cantar,
que faz o vento soprar
sem sons de dor ou mágoa
digam-me quem desenhou este cenário
onde as nuvens são transparentes,
o sol nunca se põe
e a lua nunca se cansa.
12.7.06
atrevo-me e partilho as primeiras palavras seriamente escritas (aqui vai um segredo - até agora - muito bem guardado):
ofício.
noite de terça-feira, no quarto de casa, à luz de duas velas porque candeeiros não há e a do tecto é demais, além disso há os mosquitos que de boa vontade se sentiriam convidados a partilhar do meu sangue. sentado na cama, com uma mesa que é a coxa e outra perna que se estica.
vejo na pintura da janela uma lua, ao fundo, montada numa antena que, por sua vez, se encavalita na chaminé sem cavalgar, é linda e está cheia.
é o dia catorze de agosto de dois mil e como é óbvio – doutra maneira não teria coragem para esta burocratização dos sentimentos – estive cacilhando, lá nos tanques, com os velhos amigos novos, com o maior, o T.
voltei ao ninho, liguei-me aos tindersticks e comecei a gastar tinta muito sem pensar, paro às vezes, segundos (que hão-de ser horas), porque me faltam centenas de páginas de um dicionário, mas é um desafio estimulante a mãe ser uma língua tão vasta... gostava de escrever um quarto de um romance...
reparo que a lua mudou de sítio, só pode ter sido isso! antenas e chaminés não têm vida.
as velas vão-se acabando esculpindo-se na suave lâmina da fina e aveludada brisa que invade o escritó rio.
“whiskey & water” penetra-me e obriga-me a mexer a mão com que fumo, dançando ao som dos violinos que se esganiçam... dança-me agora a mão da caneta ao som da bateria...
a minha mãe, “joão manuel!” – a telenovela acabou, tempo de antena para o ciclo belga na dois ou, se não valer a pena, os ficheiros secretos na quatro, logo se vê. aaaahh o ócio...