31.3.06

uma espécie de esquerda

há de facto quem ache que ser comunista é ser irmão, camarada, companheiro. há quem ache que é comunista e, só por isso, tem em si mesmo a certeza de um sentido de justiça acima do que o de qualquer semelhante, especialmente se se tratar de justiça social. na cabeça de gente assim, o mundo era muito melhor se fôssemos todos comunistas. esquecíamos a história, esquecíamos o lenine, o stalin, o fidel, o mao e tantos outros que à pála do comunismo limparam o sebo a milhões só porque estes não partilhavam das mesmas ideias. para além da óbvia discordância com uma ideologia que matou milhões e nos obriga a pensar todos da mesma maneira, a principal razão que me leva a trazer este assunto à baila, prende-se com aqueles que me rodeiam e só não têm orgulho em se afirmarem comunistas convictos porque são pessoas literadas e com o mínimo esclarecimento ideológico, o mínimo. não fosse a história e os magníficos comunistas supracitados, muitos daqueles com quem me dou (mais ou menos), andariam (todos os dias) vestidos com as maravilhosas t-shirt's do che guevara. não falo de velhos nem de jovens, falo de adultos a quem já fica mal o discurso da igualdade e a atitude do fascismo. falo de gente que se ri do outro que trabalha, de gente que bebe e fuma enquanto ouve música, de gente que responde com uma gargalhada ao pedido do outro: "eh pá, eu aqui sozinho a bulir e vocês aí a curtir". gente da melhor esquerda portuguesa, gente que tem prazer em se situar entre o comunismo e o bloquismo.

29.3.06

poesia para quebrar a monotonia

"O que há em mim é sobretudo cansaço -
não disto nem daquilo,
nem sequer de tudo ou de nada:
cansaço assim mesmo, ele mesmo,
cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
as paixões violentas por coisa nenhuma,
os amores intensos por o suposto em alguém,
essas coisas todas -
essas e o que falta nelas eternamente - :
tudo isso faz um cansaço,
este cansaço,
cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
há sem dúvida, quem deseje o impossível,
há sem dúvida quem não queira nada -
três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
porque eu amo infinitamente o finito,
porque eu desejo impossivelmente o possível,
porque eu quero tudo, ou um pouco mais se puder ser,
ou até se não puder ser...

E o resultado?
para eles a vida vivida ou sonhada
para eles o sonho sonhado ou vivido,
para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
para mim só um grande, um profundo,
e, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
um supremíssimo cansaço,
cansaço..."


Álvaro de Campos

no alentejo o céu é maior

o azul do céu vê-se mais longe quando as nuvens não fazem de biombo gigantesco que nos impede de contemplar tanto azul de uma só vez. à noite, a grandeza é ainda mais óbvia, há mais estrelas e, se a noite for de lua cheia, o espectáculo é simplesmente divinal. para uma contemplação destas, aconselha-se o campo numa noite sem nuvens, sem as luzes nem o ruído da cidade ou dos automóveis.

rembrandt

rembrandt, filosofo - meditatione, 1630

in vino veritas

impressionantes os romanos. tacto para as coisas tinham para dar e vender, às tantas foderam-se de tanto tacto terem. deixaram-se levar por este sentido e seguiram as sensações no caminho da desfragmentação de um império prodigioso. deixaram-nos do melhor e do pior. mais do melhor na minha opinião. um exemplo é esta do in vino veritas.
às duas ou três da manhã num sítio mais ou menos público, aparecem-nos sempre um ou dois anormais que (por estarem bêbedos) extravasam o que de mais complexado têm em si p´ra cima de nós. pensamos: "este (ou esta) merdas tinha agora que vir com esta conversa"... às 4 ou 5 da tarde ninguém diria, mas agora é demais, não tenho paciência e a única vontade é a de ser - no mínimo - desagradável. finjo que não entendo, que entendo aquilo como uma piada, que tenho qualquer coisa urgente que me pede a atenção, que estou só de passagem, sei, lá, finjo e vou-me embora.

imprensa côr de rosa vs imprensa bordeaux

no mundo das artes quem tem um olho (como num reinado de cegos) é rei. basta tirarem umas fotografias, fazerem teatro (às vezes amador), tocarem um instrumento qualquer (que até pode ser pandeireta). não são todos assim mas infelizmente e, especialmente em cidades de província, estes mundos estão recheados de pedantes ambulantes que se assumem como artistas (seja qual for a arte de eleição) e cultivam a imagem (sempre distinta) que lhes parece à altura: arrogantes, importantes, cultos, boémios, elitistas, eclécticos, enfim, tudo aquilo que se poderia encontrar numa dessas revistas cor de rosa que há para aí à venda. a excepção: estes distintos artistas abominam os outros e sentem-se a um nível superior, mais nobre e altivo porque não fazem parte do imaginário de quem lê imprensa cor de rosa mas de quem lê imprensa bordeaux. falam sempre com o ar de quem sabe melhor do que ninguém o que dizem, nunca estão errados e, como diz o outro, raramente têm dúvidas. ao fim de semana, um jornal, o expresso ou o público, tanto faz, passeiam ridiculos com o saquinho na mão ou o jornal debaixo do braço pelas ruas e avenidas, entram num café qualquer e folheiam aquilo como se estivessem mesmo interessados nas actualidades do mundo. depois há pior, há aqueles que não têm a mínima ligação a qualquer tipo de arte mas como admiram os outros, adoptam uma atitude semelhante. sobre estes nem vale a pena dizer nada...

mulheres de baixa competição

nos mundos académico e profissional, todos os dias me deparo com lamentáveis cenas do universo quotidiano grupal feminino. são todas sempre muito amáveis e cordealmente simpáticas umas com as outras, isso são. mas quando permanecemos atentos e nos embrenhamos discretamente nas conversas, atitudes, gestos e tons, percebemos logo que toda aquela simpatia é pura hipocrisia e que nenhuma delas tolera pacificamente qualquer tipo de dúvida em relação às suas capacidades. algumas, poucas, estão-se simplesmente a cagar para isso e são logo postas de parte pelo grupinho. outras, as que falam mais e mais alto, são obviamente as líderes, geralmente feias com um bom cú ou umas belas mamas que de alguma forma justificam a sua liderança. de resto, o micromundo do universo grupal feminino, poucos segredos tem, é tudo à base de hipocrisia, sinismo, falsidade, arrogância e, acima de tudo, competição de baixa qualidade.