29.12.06

ficção VII

O despertador não tocou, calou-o antes da hora marcada. Não ouve chover, está acordado há mais de meia hora e ainda não ouviu a chuva. Desde que tomou a decisão de se envolver na “notícia” que pensa na melhor forma de solucionar esta ansiedade em penetrar no contexto do acidente. É o assassino que lhe interessa, deve estar enclausurado, vai ser difícil a aproximação, vai exigir que se desloque à capital regularmente e em horários pós laborais. Ontem, antes de adormecer, pensou em várias hipóteses para estabelecer uma relação com o criminoso. Qualquer uma delas exige dotes de representação: pensou em fazer-se passar por padre, por jornalista ou um académico. Move-o uma vontade renascida de expurgar um ódio há muito escondido nas profundezas da alma, guardado no mais secreto dos confins da imaginação, na mais reprimida das emoções.
É esta energia renascida que o faz sair da cama num ápice, ligar a hi-fi, abrir o leitor de cd’s e pôr a cavalgada das valquírias a tocar. Toma banho, faz a barba, veste-se e toma o pequeno-almoço enquanto traça os planos para o padre, o jornalista e o académico. A ideia é escolher a hipótese mais viável e o plano mais realista. Pensa na importância da primeira abordagem, na confiança que desde logo tem que ganhar ao criminoso, nas viagens, nas falsificações de documentos, em todo o trabalho que uma credível encarnação de um personagem envolve e em todos os riscos que isso acarreta. Quando sai de casa e olha o céu cinzento e a calçada seca, tem já decidida a personagem que vai encarnar: um académico estudante de psicologia a fazer um mestrado ou doutoramento (isto ainda não decidiu) sobre constrangimentos morais em homicidas involuntários.

14.12.06

Tindersticks » bathtime

(copiado do blog do salamandrel)

12.12.06

natureza a preto e branco


ruralidade


coimbra b

no bar do teatro académico gil vicente e sem efeitos

coimbra a

numa rua da baixa

9.12.06

arranha-céus, sangue

mais benjamin carre aqui

há quem, de facto, seja

"humildade? eu em humildade sou um campeão!"

gato fedorento
sketch: teste de bazófia

6.12.06

não queiras, lídia, edificar no spaço
que figuras futuro, ou prometer-te
amanhã. cumpre-te hoje, não sperando.
tu mesma és tua vida.
não te destines, que não és futura.
quem sabe se, entre a taça que esvazias,
e ela de novo enchida, não te a sorte
interpõe o abismo?
ricardo reis

m.


5.12.06

ficção VI

São onze da noite e ainda não jantou. A Bella sim, já teve direito a uma latinha de caça com cenoura, nem parece a mesma gata que o acompanhou até casa na noite em que ali se resolveu instalar, o preto do pêlo brilha, o branco parece algodão, já não se notam os ossos do corpo, tem as orelhas limpas e o nariz tem uma tonalidade rosada que lhe dá um aspecto de gatinha pequenina. Ele não come, não tem fome mas faz um chá e corta pão que dali a pouco está a saltar da torradeira. Senta-se em frente à televisão a comer e a beber, já está cansado de ver as notícias do acidente nos canais noticiosos, tem-na visto hora a hora nos diferentes canais, repetidas as entrevistas a familiares destroçados, a amigos e vizinhos do assassino (surpreendidos porque “ele até nem bebia muito…”), não conseguiram trazer a criança para as câmaras, não conseguiram apanhar o filho agora órfão, alguém teve o bom senso de o esconder de tudo isto, alguém achou que ter assistido a tudo deve ter sido o suficiente, alguém teve esse bom senso…. “O outro piloto continua a monte”, era sempre a última frase da reportagem.
Ele está cansado, as descrições do horror e do sofrimento ecoam-lhe sem cessar pela cabeça toda. Do ponto de vista das televisões a coisa funciona, o público gosta de ver os outros a sofrer, gosta de saber que estas coisas podem acontecer, que acontecem aos outros. Ele já desligou a televisão, faz-se silêncio ouve-se agora o ronronar da Bella no buraquinho do sofá que sobra entre o corpo dele e o braço do sofá onde ele descansa um braço. Lá fora chove a cântaros, tem sido um pára, recomeça, pára, recomeça desde que chegou a casa. Vai para o quarto, despe-se, trata da higiene pré deita, deita-se, tapa-se, ouve a chuva, a bela subiu para a cama, enroscou-se no lado de fora dos cobertores, encostada a ele. Ela adormece depois de ronronar durante cinco ou seis minutos. Ele toma uma decisão, vai envolver-se no acidente, vai querer excomungar de si próprio o pior que o habita.

ontem à tarde em alqueva


4.12.06

wim mertens » struggle for pleasure

(também ontem em portalegre... pena ter sido a solo...)

surrealismo (só pode...)

- há amizades vs prioridades.
- há dessas coisas?
- há!
- e há verdades vs intimidades.
- também?
- parece-me que sim... que há-de ser verdade...
- ok... e Hades?
- Hades? hás-de ver que Hades, na mitologia grega, é o deus do mundo inferior, soberano dos mortos.
- só isso?
- só.
- e ás de... ás d'espadas? tem a ver com o uso da espada? um(a) ás? então porquê? porquê um(a) ás?
- tem a ver com as idades...
- ah sim?...
- sim, mas não falo das biológicas, falo das de dentro, das que se sentem.
- mmm... entendo...
- entendes?