23.11.06

ficção IV

Trabalha na agência deste banco há mais de cinco anos. Foi o último estagiário finalista de uma licenciatura em economia a assinar um contrato de trabalho. Havia sido o aluno com a melhor média do curso, facto que, mesmo assim, não o impediu de viver intensamente todo o mundo exterior ao mundo académico, aliás, todo o mundo académico com as suas praxes e todos os rituais institucionalizados, quase sempre o deixavam pouco orgulhoso por fazer parte de uma classe onde em certos momentos (especialmente durante as celebrações das semanas académicas), os níveis de ignorância por metro quadrado atingiam quase sempre proporções desmesuradamente baixas. Nunca foi um “marrão” e sempre teve alguma facilidade em aprender e saber o que de importante se lhe pedia quando chegava a altura de ser avaliado. Sempre cumpriu os prazos que lhe eram pedidos e raramente faltava a uma aula (algumas excepções em aulas que começavam às oito da manhã).
O gerente do banco, homem atento e muito experiente nestas coisas do negócio, adivinhou-o desde muito cedo como um excelente bancário em potência. Com efeito, desde o ano passado que o convidou a ter um pequeno “gabinete” só para si, o pequeno gabinete onde se senta agora, de frente para o computador e em busca de mais pormenores sobre a notícia que o atormenta desde manhã. Deixou de fazer atendimento ao público para se sentar no seu próprio espaço onde só atende os maiores contribuidores para a causa da empresa. O trabalho dele consiste em avaliar solicitações de empréstimo, entrevistar os solicitadores, examinar os documentos descritivos das suas situações financeiras e, eventualmente, contactar outras instituições públicas ou privadas para, entre outras coisas, obter a confirmação da veracidade de toda a documentação que estas coisas envolve. É no fundo um gestor com parte activa na avaliação das condições que um cliente tem (ou não) para contrair um empréstimo.
Esta subida de posto que o mantém afastado das filas de gente que se acumulam ao balcão, foi o fruto de anos de trabalho dedicado e sem máculas. Foi sempre um profissional exemplar, os clientes procuravam sempre que fosse ele a atendê-los, era, salvo raras excepções, simpático, sorridente, descontraído e sempre muito atencioso. Tinha uma capacidade comunicativa tão subtilmente manipuladora que apressava o cliente mais demorado, insistente e falador, lançando apenas um rápido olhar ao cliente que se encontrava atrás na fila. Se, por outro lado, um cliente se mostrasse ansioso, nervoso ou apressado, agravava um pouco o tom de voz e conversava com ele olhando-o nos olhos enquanto que as mãos, os braços e os dedos se movimentavam quase como que numa dança onde a papelada e o dinheiro faziam de seu par. Este cliente, o ansioso, acabava muitas vezes por encontrar neste momento em que se dirigia ao banco, uma espécie de intervalo de toda a ansiedade que o assaltava antes e depois de sair da agência.

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