8.9.06

a caminhada

depois de mais de um ano preso nas estepes siberianas, o nosso viajante resolveu arriscar e pôr-se a caminho. receia a dureza da caminhada mas não se assusta, poucas coisas o assustam, pensa ele. veste a mochila e abastece-se de água. arranca sem qualquer mapa ou guia e espera confiar no sol. sabe que é primavera e sabe que o nascente está a este, se resolver viajar de noite, confiará nas estrelas.
segue para sudoeste e caminha com um sorriso nos lábios, deixou a frieza na sibéria e começa a sentir a frescura de ambientes mais temperados. caminha sem parar e vai descansando quando isso é o mais sensato que há a fazer. dorme de noite ou de dia consoante a força do sono. todos os dias pensa na visão do paraíso que alimenta a sua vontade de caminhar em frente, sonha com ele quando dorme e vê-o para onde quer que olhe, sabe que faz o que pode para o alcançar e isso preenche-o. caminha numa primavera povoada de flores, árvores, cheiros de primavera e imponentes árvores que lhe dão a sombra do descanso. aproxima-se cada vez mais de climas quentes até que lhe começam a causar uma espécie de caos interior os conflitos e turbilhões do médio oriente, não é nada com ele e não se mete, desvia as suas atenções para as montanhas rochosas despidas de neve, há muito que não via montanhas quentes e despidas de neve. os cheiros frescos da primavera começam a ser escassos, sente que se vai aproximando cada vez mais de uma brisa quente e constante que o ataca de frente, virá a descobrir que é o deserto. quando de repente o encontra (ao deserto), encara-o de frente e diz-lhe que não tem medo dele, que já não é a primeira vez que caminha num deserto, que não baixará os braços e que caminhará pelo meio dele mesmo que no meio não encontre o paraíso, o oásis que havia sonhado lá encontrar. agarra as alças da mochila com as duas mãos perto dos ombros, inclina levemente a cabeça para a frente e dá o primeiro de muitos passos decididos. vê-se agora a atravessar o deserto, as esperanças de encontrar o paraíso prometido são cada vez menos, a preparação (para o pior) que trazia consigo, impede-o de se vergar às circunstâncias. faz um pequeno desvio para norte e sente o deserto a afastar-se, regressa para sudoeste e tenta uma última procura, sente que será a última porque se lhe esgotaram as forças da esperança. durante toda uma semana, deixa de ver o paraíso, nem uma miragem, nem um sonho. é o ponto de viragem. muda novamente de rota mas desta vez sem se preocupar com o destino ou a orientação. alguns dias depois desta viragem, dá consigo parado em frente a um enorme mar, já só pode seguir em frente se embarcar. está calor sem ser em demasia e sente o aroma fresco da água a misturar-se-lhe com a transpiração que lhe ocupa a pele. o mar deixa-o intrigado, interessado, embarca e envolve-se de ondas que lhe deixam a alma a flutuar como há muito não acontecia. está bem agora o nosso caminhante.

4 comentários:

sr disse...

o mar...
sempre o mar...
o mar para sempre!...

ana disse...

A vida é isto mesmo, uma ou várias e sucessivas caminhadas e de vez em quando lá somos abençoados com um mar retemperante. Desfruta, lindo. Beijo

n disse...

Que belo texto!
Apetece seguir com ele, apesar da dureza dos caminhos. Se fosse há um mês atrás tê-lo-ia feito, tal era o meu desejo de partir tb.
um abraço.
só uma pergunta: é um texto solto ou está incluído no tal projecto?

João disse...

é um texto demasiado espontâneo para não ser solto. um beijo às três.