12.7.06

atrevo-me e partilho as primeiras palavras seriamente escritas (aqui vai um segredo - até agora - muito bem guardado):

antes de começar, tenho que marcar o branco imaculado com a oficialização de um momento que há muito era esperado, chamo-lhe, liricamente, um novo fruto na árvore da vida, enfim... um momento em que formalmente passo a partilhar a sombra da árvore com as palavras (e o que mais cá vier) nos filhos da sua morte prematura, os papeis.

ofício.

noite de terça-feira, no quarto de casa, à luz de duas velas porque candeeiros não há e a do tecto é demais, além disso há os mosquitos que de boa vontade se sentiriam convidados a partilhar do meu sangue. sentado na cama, com uma mesa que é a coxa e outra perna que se estica.

vejo na pintura da janela uma lua, ao fundo, montada numa antena que, por sua vez, se encavalita na chaminé sem cavalgar, é linda e está cheia.

é o dia catorze de agosto de dois mil e como é óbvio – doutra maneira não teria coragem para esta burocratização dos sentimentos – estive cacilhando, lá nos tanques, com os velhos amigos novos, com o maior, o T.

voltei ao ninho, liguei-me aos tindersticks e comecei a gastar tinta muito sem pensar, paro às vezes, segundos (que hão-de ser horas), porque me faltam centenas de páginas de um dicionário, mas é um desafio estimulante a mãe ser uma língua tão vasta... gostava de escrever um quarto de um romance...

reparo que a lua mudou de sítio, só pode ter sido isso! antenas e chaminés não têm vida.

as velas vão-se acabando esculpindo-se na suave lâmina da fina e aveludada brisa que invade o escritó rio.

“whiskey & water” penetra-me e obriga-me a mexer a mão com que fumo, dançando ao som dos violinos que se esganiçam... dança-me agora a mão da caneta ao som da bateria...

a minha mãe, “joão manuel!” – a telenovela acabou, tempo de antena para o ciclo belga na dois ou, se não valer a pena, os ficheiros secretos na quatro, logo se vê. aaaahh o ócio...

vale da sancha
14.08.2000

1 comentário:

n disse...

o momento solene foi partilhado quase em directo, daí o silêncio perante este post.
Mas não deve ficar assim: ao autor quero dizer que aguardo outros textos e o "quarto de um romance".
Podes, quando estiveres a fazer os trabalhos do mestrado, ou a tese, e a cabeça estiver tão pesada que não aguenta nem mais um segundo nem de psicologia nem de educação, escrever o que falta pro quarto do romance, ou começar o terço.
Eu, nesses intervalos de que falo, arrancava esvas do quintal... e desenhava (ao pormenor) a casa para onde queria ir viver.
Um dia partilharemos o momento solene do lançamento de um livro, de certeza!
só se não me convidares.