24.4.08

dia 15, 9 dias depois

chegou a casa. esperavam-no os gatos que se apressaram a sair do conforto do sofá para o cumprimentarem, ele pousou a mala, retribuiu o cumprimento e foi imediatamente para o quarto vestir uma roupa mais confortável: a camisola de um pijama, as calças de um fato de treino e, claro, os chinelos de quarto. logo depois, o escritório, a sua secretária, a cadeira desta, o computador, uma chávena de café e um cigarro exótico. é dia quinze de abril e apetece-lhe dizer qualquer coisa sobre isso, especialmente porque é o seu trigésimo primeiro aniversário. entretanto ela chega e vai quase imediatamente para a cozinha preparar o que há-de ser diferente neste romântico jantar de aniversário: a mousse de chocolate. ele, absorvido pela música, a escrita, o café e o exotismo do cigarro, regressa ao computador pouco depois de a receber. recomeça e quase que acaba o que escreve mas nesse dia não há-de escrever mais do que aqui se repete:

se me lembrasse de fazer um apontamento mais solene sobre o que significa ter 31, diria coisas com a mínima importância e o máximo significado. diria por exemplo que me sinto ainda uma criança que se deslumbra com as coisas mais simples do universo, como uma música, um poema, um sorriso, uma flor ou o canto de um pássaro. diria que me sinto uma criança num mundo menos ingénuo do que o meu íntimo e, ao mesmo tempo, um velho de olhar atento e ouvido sapiente, um velho ao sol num campo de alfazemas. diria ainda que sinto o mundo a correr mais depressa do que eu, e eu, serenamente, a desejar que o mundo não me atropele porque afinal de contas, o mundo ainda vem lá atrás. diria ainda, talvez para terminar - ou talvez não, que vejo todos os dias quem tenta alcançar a velocidade do mundo sem olhar aos que vão caindo pelo caminho, como se o mundo fosse só dos que correm velozmente, como se o mundo fosse só para duros. aos 31, vejo um mundo onde as diferenças interessam mais do que a igualdade, um mundo em que as pessoas se esquecem muitas vezes que andam todas à procura da mesma coisa: felicidade.

estava ele de volta das vírgulas, das repetições, dos artigos e dos advérbios quando ouve o som de quem bate na porta do lado de fora. Algum Daqueles amigos que resolveu visitá-lo em tão solene dia. levanta-se e vai abrir a porta, a caminho, ainda pensa que é uma triste forma de receber alguém em dia de aniversário, de chinelos, fato de treino e pijama, tudo ao mesmo tempo. caga imediatamente nesse possível constrangimento, está em casa e só os íntimos o visitam à hora de jantar. abre a porta e vê seis caras, seis sorrisos, seis olhos bem abertos e seis dos mais chegados. demorou algum tempo a recompor-se da surpresa. vestiu uma roupa condigna muito mais depressa e, depois disso, tudo o que veio foi bom, Muito Bom.

2 comentários:

n disse...

E é aí nesse limiar, entre o menino de olhar desumbrado e o velho sábio sentado num campo de alfazemas que tu estás. É esse o teu encanto.
Os que correm velozmente sem se dar conta dos que caem à sua volta podem fazê-lo por muitas razões. Normalmente correm, porque não podem parar. Parar seria olhar tb para eles e isso eles não aguentam fazer.
Foi o texto mais bonito qe já li de ti.
E agora digo-te que foi muito bom partilhar esse momento de felicidade e emoção.
Parabéns amigo.

João disse...

:D obrigado amiga!!!