29.1.08

a urgência do silêncio

fico inquieto quando procuro o silêncio e não o encontro
sem o silêncio que procuro, não sou eu
sem o silêncio que espero, sou o caos
sou o som infernal de uma orquestra desalinhada
desarranjada, desafinada e desordenada
sem esse silêncio sou sempre insuportável

24.1.08

dias

adensam-se os dias de quando em quando
sufocam-nos de tanto se encherem
como balões gigantes que nos esmagam
e nos apertam por entre a enchente de cada dia,
dias crescentes, que se enchem e nos esborracham
que nos soltam de quando em quando
quando se esvaziam no esvanecer de tensões
e libertam o ar pesado daquela hora (in)tensa

são dias assim
como balões gigantes
cheios de mundos e fundos
altos e baixos
claros e escuros
quentes e frios
curtos e longos
estes e os outros
os d’ontem,
os d’amanhã,
são dias assim
como outros quaisquer

portanto,
inventa
entretém-te
distrai-te
descansa
relaxa
sossega,
rebenta o balão
se te apetecer
e toma o dia
toma-o pelas tuas mãos
mas toma-o mesmo!

23.1.08

poder silencioso

muitas vezes o maior poder reside no silêncio, no olhar atento de quem pode mas não o faz, na machada suspensa no ar ou a coroa de louros a balançar na mão. a atitude de quem-sabe-que-tem-o-poder-mas-opta-por-não-o-usar em momentos de tensão e/ou crispação, pode intimidar mais do que a ameaça ou o usufruto constante desse poder. o poder, em determinadas circunstâncias, é maior quando não é usado e muito menos abusado.

18.1.08

ficção VIII

(antes)

“jovem casal morre atropelado por condutor embriagado que disputava uma corrida com um amigo e, no descontrolo do carro, sobe o passeio e embate contra uma parede, apanhando pelo meio o casal que seguia abraçado. O filho, de 5 anos que seguia mais à frente a ver as montras, assiste a tudo e vê os pais morrer à sua frente, aconteceu ontem numa avenida da capital, por volta das nove da noite”.
...

Quando sai de casa e olha o céu cinzento e a calçada seca, tem já decidida a personagem que vai encarnar: um académico estudante de psicologia a fazer um mestrado ou doutoramento (isto ainda não decidiu) sobre constrangimentos morais em homicidas involuntários.

(agora)

Durante todo o dia e toda a noite, vai alinhar os passos a seguir para se encontrar com o homicida. Vai ser uma tese de doutoramento, vai pintar alguns cabelos de branco e escolher uma roupa “casual” mais clássica, vai ter que parecer mais velho, vai ter que ler muito, decorar e memorizar, planificar minuciosamente cada passo, cada registo seu, vai ter que pensar no imprevisível, vai mentir, enganar e falsificar. Durante todo o dia só existiu enquanto pensamento, na relação com os outros ligou o botão “autómato”, colegas e clientes viram e ouviram apenas o invólucro de um ser pensante a uma velocidade de 200kmh.
Saiu do banco e foi ao hipermercado com uma lista de coisas que tinha apontado à hora de almoço. Fez o jantar, jantou, sentou-se no sofá e ligou a televisão (sem som). Deixou a gata deitar-se no seu colo, e usou o comando para activar o cd do hi-fi, schubert com “a morte e a donzela" e as “trutas”. Na mesa de apoio um bloco de notas cheio de gatafunhos com uma caneta em cima. Faz festas à gata até acabar por adormecer na lentidão dos pensamentos que se vão esgotando na lentidão do afastamento…

São quatro da tarde do dia seguinte e está em casa de roupão, a gata deita-se no cantinho de sol que atravessa a janela em direcção ao soalho de madeira da sala. Em cima da mesa e espalhados pelos sofás, papeis, papeis e mais papéis. Documentos oficiais (originais) da universidade, das finanças, da segurança social, da junta de freguesia e do hospital (vai precisar de um atestado quando tiver que meter baixa para ir uns dias à capital), páginas impressas da internet com referências a literatura - mais e menos científica - sobre psicologia clínica, estudos sobre “moralidade” (de filosofia, sociologia, teologia, …) e estudos sobre comportamentos homicidas involuntários (ante e pós o acidente). Num canto da mesa, destacado da papelada toda, um conjunto interessante de instrumentos perfeitamente alinhados: um x-acto, um tubo de cola tipo “batom”, uma régua de 25cm, uma tesoura, uma esferográfica azul (bic normal) e várias fotografias suas - tipo passe - ligeiramente modificadas no photoshop. Hoje é sexta mas usou um dia de férias que teve que ter de emergência porque “morreu uma tia muito querida lá no fundão…”. Foi a primeira falta em 14 meses.
Contacta as rádios, jornais e televisões que acompanharam o caso e pede os arquivos relativos à notícia. O pretexto é a tese de doutoramento “constrangimentos morais em homicidas involuntários”. Os órgãos de comunicação acompanharam o acidente disponibilizam os arquivos mediante a sua presença pessoal devidamente acompanhada por um comprovativo passado pela universidade oficializando a sua investigação. Assim sendo e já que tem que se deslocar à capital, aproveita para contactar o estabelecimento prisional onde reside o “homicida involuntário” enquanto aguarda pela marcação do julgamento. A prisão pede algo parecido ao tal comprovativo do doutoramento mais o BI. Ele diz se apresentará brevemente mas tem ainda que rever a agenda uma vez que tem outras visitas marcadas e muita leitura para fazer. Não marca datas mas está ansioso pelo encontro com o homicida.

16.1.08

world wide web at (the new) home (?) - ainda não...

parece que é amanhã de manhã... mas nunca se sabe... a cabovisão, depois da intervenção do departamento de vendas, do departamento de atendimento ao público, o departamento (técnico) de instalação e o departamento (técnico) de rede, concluiu que, para eu ter o serviço pelo qual havia assinado o contrato (duas semanas antes), seria necessária a intervenção do departamento de construção "e isso, isso vai demorar..."
depois disto, a pt, que "costuma levar entre 8 a 15 dias úteis a fazer uma instalação", está há 16 dias úteis para alterar para uma nova morada um serviço de internet.
enfim... as grandes empresas têm destas coisas.. e nós, que somos só um número de cliente e outro número de euros, temos que nos aguentar à bronca e é se queremos...
parece que não...
sr da pt logo de manhã e a olhar para o papel:
"eles enganaram-se, tenho que ir buscar o sinal a outro lado.... em princípio só segunda-feira..."
"ai portugal portugal... um pé numa galera, outro no fundo do mar..."