29.8.06

aí vem o setembro

aí vem o estimadíssimo setembro
mês de começos mais do que janeiro
fim de um ciclo desde que me lembro
início outonal como se fosse o primeiro

setembro traz com ele a exigência
de mês que não está para brincadeiras
de mês em que não se cantam janeiras
de mês em que o relógio perdeu a clemência

é mês imbuído em amarelo-torrado
e peles acastanhadas pelos braços do sol
é mês de esplanadas ainda saborosas
de dias quentes e noites ventosas

paredes de coura


o último festival havia sido há demasiado tempo, há anos... regresso sem tenda e com mais 11 numa casa e todos os confortos que ela oferece. paredes de coura é o paraíso na terra, o verde nunca acaba, o rio corre sempre e o anfiteatro é pura obra da natureza. este cenário, aliado ao cartaz, obriga-me a repetir este festival e não outros. a liberdade vive-se entre o paraíso, a amizade dos que nos acompanham e a música ao vivo 12 horas sem parar. mas não foram só coisas boas, não, houve a chuva que aparecia de vez em quando e obrigava a malta a tapar-se com as recém-adquiridas gabardines e, ainda pior do que a chuva, a cerveja heineken (de pressão!), a única coisa que se podia beber para além de água... isto até teve o seu lado positivo: não apanhei nenhuma tosga monumental e, no fim de cada noite, o caminho para casa, que era sempre a subir, estava facilitado pela ausência de álcool em exagero no sangue. para além das surpresas agradáveis dos madrugada, dos yeah yeah yeahs e dos gang of for, os block party não desiludiram e os bauhaus surpreenderam por tocarem quase trinta anos depois como se tivessem acabado de sair do estúdio.

laredo by day

28.8.06

uma aventura em laredo

cantábria, uma cidade desconhecida chamada laredo, a meio caminho entre bilbao e santander foi a baía (que ainda hei-de tentar mostrar) que nos fez descer da estrada nacional na montanha até ao meio da areia na praia.
a água do mar era das mais quentes que já provei. a praia em si estava ladeada por prédios que servem as famílias que no verão aproveitam para ali passar férias. nos meses quentes, o número de habitantes deve aumentar setecentos ou oitocentos por cento.
era domingo e fomos à praça do marquês de albaida (na zona velha da cidade) uma pequena praça rodeada por casas antigas de vários andares. no rés-do-chão dessas casas estavam os bares, muitos e muito pequenos. nessa praça e na esplanada do pior bar (que no entanto tinha mesas e cadeiras debaixo da única arcada) houve whiskey e um encanto imediato pela menina que atendia as mesas de uma outra esplanada no canto da praça. mais tarde e tarde demais, teve direito a uma carta (quase) de amor em inglês! "tu não andas, voas! não sorris, ris! não te ajustas às coisas que te envolvem, possui-las! és um quadro em movimento cuja beleza nem o guggenheim tem o orgulho de exibir". isabelle, trabalhadora, competente, simpática, bonita e de olhar sincero.
no "69", um bar ali perto da praça, ouvia-se música igual à que se tem em casa, coisa inacreditável por terras de espanha!!! domingo à noite, boa música e gente simpática no bar. atrás do balcão, talvez a mulher com melhor gosto musical (pelos meus padrões, claro) que já tive a oportunidade de conhecer. lorena no nome e morena no cabelo, bonita e de olhos tristes, só a voltei a ver na última noite. este fim de domingo fez-nos ficar por ali, santander ficou adiado.
do "blues", um outro bar da praça, fizémos a partir da segunda noite a nossa segunda casa em laredo, por culpa da nicole, uma romena linda de 21 anos que tinha a responsabilidade do bar mais bonito da cidade. havia também o richard que tratava da música e continua um rebelde quase aos cinquenta. o félix, o namorado da nicole, aparecia de vez em quando para dar uma ajuda. hei-de querer voltar ao "blues" e agradecer convenientemente toda a simpatia para com "dois portugueses raros".
no meio disto tudo, ainda tenho tempo para andar a dançar de formas pornográficas com a marie, uma bonita francesa de férias, de 19 anos, de olhos verdes e sorriso grande, corpo de manequim e quase do meu tamanho. adorava dançar colada ao meu corpo no meio da pista, eu também adorava... com shakira então, era o delírio!

26.8.06

guggenheim


o guggenheim é o museu com mais vida que já tive a oportunidade de conhecer. as pessoas flúem por ali como se de penas ao vento se tratassem.
é um lugar do futuro. desde a arquitectura, aos materiais e equipamentos, o edifício só por si é digno de contemplação. para além das exposições permanentes (de cariz moderno e visionário), as galerias nobres (chamo-lhes assim porque as acho dignas do nome) tinham em exposição uma retrospectiva de toda a pintura russa desde o século XIII ao século XXI, uma delícia!
as horas que ali passei custaram-me uma dor num tendão da perna esquerda durante os dois dias seguintes. este foi um preço bastante baixo comparado com o prazer dos passeios por entre cada galeria, cada corredor, cada lance de escadas e cada metro quadrado de espaço caminhado.

telegraficamente bilbao

bilbao é uma cidade linda, habita encaixada em várias montanhas que cercam um vale verdejante que acolhe no seu leito um rio, eles chamam-lhe ria de bilbao mas é um rio. é uma cidade grande, rica, de arquitectura romântica, avenidas largas e apinhadas de árvores.

espanhóis em poucas palavras

passei a invejar os espanhóis por encararem a vida de frente. não andam cabisbaixos como os portugueses e vivem com a atitude de quem encara a vida como ela é, com a atitude de quem acha que a vida é para ser vivida sem complexos.
desde a juventude até aos mais velhos (aqueles a quem chamamos os da “terceira idade”), todos são vistos a circular nas ruas depois da meia noite. é uma atitude cultural que só enriquece o país e as mentalidades dos seus habitantes. nós por aqui não, nós, na rua depois da meia noite, só temos a juventude e os “boémios”… é pena…
os espanhóis sabem-se divertir mas têm um péssimo gosto musical e são capazes de (num bar ou discoteca) repetir a mesma música 5 vezes seguidas em apenas duas horas… falam mal (quando conseguem falar) qualquer língua que não seja a deles e têm uma – digamos – não muito boa imagem dos portugueses. talvez alguns tivessem mudado de opinião ou, pelo menos, suavizado essa visão menos boa…
são amistosos, educados e de trato fácil.
são também um bocadinho porcos, cospem para o chão num gesto perfeitamente natural e socialmente aceitável, fiquei chocado duas vezes por ver mulheres na casa dos vinte a cuspirem para o lado… muitas das casas de banho dos bares que conheci não tinham mais nada a não ser uma solitária sanita. por outro lado, sempre que servem uma bebida numa garrafa, “colam” um guardanapo em volta do gargalo para limpar ferrugens ou extractos de cola das tampas.
enfim… são um pouco assim os nuestros hermanos.

24.8.06

20 dias e 3000 Km depois

de volta! seguir-se-ão cenas dos capítulos anteriores...

3.8.06

um estranho nesta cidade

tenho a sensação que esta cidade tem alguma dificuldade em me adoptar. sinto que por mais que lhe dê, ela não me acolhe, não me abre os braços e não me deixa repousar no seu colo. admiro-a desde sempre. desde que cá parei que não tive um único minuto em que me tivesse passado pela cabeça deixá-la. hoje, uma vez mais esquecido no seio das suas muralhas, sinto-me cansado do esquecimento, da ausência de reconhecimento e, acima de tudo, da falta de acolhimento.
tenho marcado a minha existência aqui pela luta em frente, pelo bem comum (esse conceito esquecido por entre avanços tecnológicos e outras mais revoluções). tenho trabalhado aqui e ali, já estudei e volto a fazê-lo, tenho procurado fazer bem o que faço, tenho-me mantido aberto a todas as aprendizagens que a vida, as pessoas e o trabalho me dão mas mesmo assim, esta cidade não me abre os braços.
sou mais uma vez um estranho de passagem, um estranho sem a segurança do seu poiso nem o descanso do caminho certo, um estranho sem (o seu) amor. um estranho mais uma vez entregue ao destino e aos caprichos desta cidade, um "sobrevivente", como alguém me chamou. mas a sobrevivência cansa... é talvez por isso que me sinto demasiado crescido, envelhecido até. estou cansado de (sobre)viver assim, cansado de tanto remar contra a corrente, de ser um vagabundo na cidade que desde o primeiro dia acolhi no coração como se de um amor à primeira vista se tratasse.
no outro dia, li nas palavras de uma amiga que "somos as nossas escolhas". sem dúvida que somos o fruto delas, dessas escolhas. talvez aí esteja o meu handicap, talvez não tenha sabido fazer as minhas, talvez devesse ter aprendido a não lutar contra o absentismo, o comodismo e a ignorância, talvez devesse eu próprio ter-me deixado aculturar pelas regras fáceis desta cidade, os seus costumes e a sua moral encravada entre cada pedaço de cada tijolo da muralha.
talvez seja eu, talvez seja a muralha, não sei mas hoje sinto-me angustiado por me sentir um estranho nesta cidade...

arrepios

esta noite arrepiei-me duas vezes por me sentir mais do que eu nos olhos de alguém.

2.8.06

outro sentido

um, dois

um sentido na vida
dois sentidos na estrada
um destino na ida
dois amigos, uma caminhada

vou

deixar esta cidade p’ra trás
e vê-la afundar-se nas muralhas
abandonar o sentido fugaz
de quem se enche de migalhas

embarcar na viagem p’ra norte
sempre em frente até ao mar
beber a paz que vem com o ar
e acreditar na boa fé da sorte

sentido

no calor do dia e na luz do sol,
o meu corpo alimenta a cada passo
um coração mole
e um olhar lasso

na frescura da noite e na presença da lua,
a minha alma alimenta-se de luto
entre o conforto do sofá e a calçada da rua,
entre os olhares fundos que a deixam nua

entre a noite e o dia,
vou encontrando sentido
em quem o olhar me guia,
em quem mo tem tido.