conheço-a faz dia 13 de Novembro 14 anos. é diferente hoje. sem dúvida. 14 anos – ainda que ínfimos na sua história - permitiram-me assistir a uma série de mudanças, pequenas mudanças. na verdade, considero que em 14 anos e apesar dessas mudanças, cresceu pouco. Parece que vive fechada numa espécie de ideia colectiva-cagona-reclamativa-pasmacenta intramuros. se houver alguém a querer sair deste registo, o processo vai ser longo e cansativo. se houver alguém a querer ser pró-activo, tem que estar preparado para enfrentar as dificuldades das mentalidades difíceis e acomodadas à segurança do que é regular. parece assim às vezes uma mentalidade enrijecida pelas pedras da muralha e queimada pelo sol da planície. às vezes cansada de si própria e apropriada pela rotina diária da vida sem surpresas, sem novidade. vejo-a assim às vezes, à cidade.
20.9.09
nunca é demais lembrar que
19.9.09
12.9.09
há uns dias a gasosa convidou e o icebergue aceitou
Um azar do caralh*!
10 de Outubro de 2010. O PSD governa o país coligado com o CDS. Manuela governa com pulso de ferro e há quem já lhe chame a Margaret Thatcher portuguesa. Pacheco Pereira é a sombra de Manuela e rivaliza com Paulo Portas pela atenção da madame, é uma guerra do tipo O Intelectual vs O Popular. Cavaco ainda é o Presidente de todos os portugueses e passa longas horas na sala de chá de S. Bento, na companhia de Manuela. Respeitosamente amicíssimos, estes dois. As coisas parecem estar a correr bem, nas ruas há sinais de rejuvenescimento e a crise parece estar, de facto, a passar. Há menos desemprego do que há um ano e o Benfica começa a época 09/10 em primeiro e com o título de campeão nos ombros. O povo anda calmo.
Privatiza-se a Segurança Social e uma boa parte da saúde. Nasce uma elite estudantil após a contratação dos melhores professores universitários (os que têm mais publicações e em maior número de línguas) pelas - agora prestigiadas - universidades privadas. Aos tribunais ainda não dá para privatizar porque fazem parte de um órgão soberano do Estado. Nos – cada vez menos - edifícios públicos, é obrigatória a bandeira da República Portuguesa hasteada no mastro. O crucifixo, esquecido durante as últimas décadas em muitas escolas, vai rebuscar o simbolismo das décadas do estado novo: Identificação, submissão e união. Há muita gente que gosta do país assim: ordeiro, sério, rígido e cinzento. Se até há pouco tempo havia alguém que não acreditasse na diferença entre a esquerda e a direita, hoje já não tem dúvidas: o país anda às direitas. É assim que o país acorda a 10 de Outubro de 2010.
10 de Outubro, 9.37 da manhã. Manuela e Pacheco, no banco de trás do novo Mercedes conduzido pelo Sr. Alcides, são de repente abalroados por um camião TIR sem travões, carregado de areia e a caminho das obras do Terreiro do Paço. Morte instantânea pó Pacheco e já na mesa de operações pá Manela. O Sr. Alcides safou-se, graças a Deus!
Portas, que sabe da notícia às 10.17, sai da pastelaria a correr deixando para trás o chá verde e o bolinho sem açúcar e, como se todo o mundo acabasse de ruir mas ao mesmo tempo Deus tivesse criado uma manobra para fazer dele o eleito, atravessa a estrada ao encontro do carro estacionado pelo Artur, o seu motorista. Vai a meio da estrada quando se maravilha com a ideia das infinitas hipóteses que lhe proporcionaria o desaparecimento repentino dos dois colegas de governo, pára de repente, de cabeça no ar mas a olhar para dentro e não repara que o taxista apressado que ali vinha não conta com tão repentina paragem a meio da estrada. A caminho do Hospital, tem a cabeça nas mãos de uma mulher bombeiro quando diz o último adeus.
11.24 da manhã. O presidente manda fechar o espaço aéreo de S. Bento, manda chamar um grupo de forças especiais para o palácio e convoca os seus generais. Sofre um ataque cardíaco no momento em que pensa “e agora?”. Morre em menos de um minuto.
O pior disto tudo podia ser a dor das pessoas que gostavam destas quatro pessoas… mas o que acontece a seguir é bem pior.
Às 13.02, os chefes do Estado Maior do Exército, da Marinha e da Força Aérea – e os seus generais - aproveitando a reunião e dadas as circunstâncias, resolvem concordar unanimemente em tomar conta do país. Fazem ler um comunicado em todos os canais de comunicação a justificar a “tomada do poder pelos militares de forma a garantir a ordem no país até à restauração […] legitimada pelo povo […] e garantir que a súbita precariedade da República não tomba em cima da cabeça de todos os portugueses”.
Nas televisões, nas rádios e na internet, parece que estamos a assistir a episódios em directo de um golpe de estado num qualquer país latino. As duas primeiras ordens são a hora do recolher obrigatório e os militares transferidos – com toda a sua logística - das bases para as grandes cidades.
Às 22.25 está o caos instalado na cabeça dos portugueses. A ansiedade, o medo e a incerteza tomam conta daquela noite de quinta-feira, 10 de Outubro de 2010.
Quem não respeitou o recolher obrigatório já foi preso. Os meios de comunicação já estão sob a “coordenação e supervisão editorial” dos militares. A PSP e a GNR passam a receber ordens directas do Chefe de Estado Maior do Exército. Na prática, é este senhor e os outros dois maiores das Forças Armadas que governam o país há mais de dois meses.
O país vive sufocado e não vai aguentar a entrada num novo ano sob o jugo das armas. Os serviços de Internet estão “filtrados de forma a não influenciarem negativamente (especialmente os jovens) o pacífico decorrer deste período transitório” e as televisões e rádios emitem só o que interessa a quem tem as armas. O Natal de 2010 foi o dia mais sombrio de um povo, de uma existência colectiva sentida e vivida como nunca na memória de todos. É Natal e não há perspectivas de eleições, os partidos tentam contactos com o exterior (muitos dos seus militantes optaram por se auto-exilar para países das Américas central e do sul, nestes países estamos no verão…). A união europeia não sabe o que fazer e nem sequer tem meios para actuar, é a típica “resolução pacífica” que não anda nem desanda. Nas esferas da NATO e da ONU é que se discute realmente o que fazer e como o fazer. O povo é que já não aguenta mais e sente que não há mais nada a fazer a não ser fazer qualquer coisa. São mais de 10 milhões abandonados à sua sorte num espaço entre a Espanha e o mar. Para um povo que viveu séculos à sombra das memórias dos descobrimentos, esta é uma condição digna de um grandioso fado.
Às 23.13 de 31 de Dezembro de 2010 é escrita e enviada a primeira SMS: “Ás 08.00 de amanhã na praça principal da tua cidade, vila ou aldeia. Arrancar às 09.00 em direcção a Lisboa, a pé. Mochilas com mantimentos e agasalhos. Quem não puder ou não quiser, não vem. Os últimos a chegar avisam. É no Terreiro do Paço.” A SMS espalha-se a uma velocidade alucinante, os de Lisboa são os primeiros a chegar, vão para o Terreiro logo que começam a receber a SMS. São 8 da manhã do dia seguinte e nas outras grandes cidades os militares já estão estacionados nas principais praças, frente a frente com o povo. Uns com armas de fogo e semblantes sérios, os outros de mochila às costas, mãos dadas ao do lado e de rosto apreensivo.
08.12 de 1 Janeiro de 2011, é o minuto da revolução. As ordens são as de ”…evitar que a população civil inicie a marcha não autorizada. Disparar primeiro para o ar de forma a avisar os que se atreverem a desrespeitar a ordem.” Esta é a ordem que recebe cada um dos militares mas o que está na cabeça de cada um deles é isto: “disparar primeiro para o ar”???
O mundo inteiro está suspenso e de olhos postos neste minuto, há câmaras ocultas a transmitir em directo para satélites estrangeiros, o mundo inteiro está parado nestes rostos, nesta tensão massificada que pode descambar no episódio mais sanguinário da história de um povo. Ouvem-se gritos “o povo unido jamais será vencido!” e, quando já todos gritam, começam a andar. Ouvem-se os “primeiros” tiros para o ar, a multidão pára durante 3 eternos segundos mas reinicia a marcha, muitos fazem-no de olhos fechados. Um dos capitães presentes numa destas cidades interrompe o silêncio depois dos “primeiros” tiros, saca da sua pistola de punho, ergue o braço e dispara em direcção às nuvens: “este foi o segundo tiro e foi dado em nome da submissão do exército à vontade do seu povo.” O gesto é difundido pelos rádios militares e replicado por todo o país. O povo caminha em direcção a Lisboa escoltado pelo seu exército. Quase 37 anos depois, faz-se outra revolução neste país.