Decidiu agarrar em si e sair do hotel. Levantou-se, sentou-se na cama e apagou o cigarro no cinzeiro tirado da gaveta da mesinha de cabeceira. Apagou o cigarro com a convicção de quem se certificou que a bandeira está bem agarrada ao chão. Levantou-se, agarrou no tabaco, na carteira e nas chaves, espalhou-os pelos bolsos do casaco que entretanto tirou das costas da cadeira e vestiu-o em frente ao espelho enquanto fazia as pazes consigo próprio por não fazer a barba há uma semana. Apagou a luz e puxou a porta que se fez ouvir fechar depois de ele já ter dado dois passos no corredor. Percorreu o corredor abusado pelo odor de um qualquer perfume nitidamente feminino e desceu os 4 lances de escadas como que a trote, brincando com os ritmos do som de cada passo em cada escada. Como se corresse por cima das teclas de um piano em busca do som mais grave possível, porque os sons mais graves são mais envolventes, menos afiados.
Saiu do prédio satisfeito por não se ter cruzado com nenhum olhar estranho e virou imediatamente à esquerda enquanto se lembrou que não tinha decidido nenhum destino para aquela saída repentina. Entrar no próximo café com mesas e cadeiras de madeira. É este o objectivo. Sofás e poltronas podia já ser pedir demais… dedicou o tempo que decorreu e as ruas que percorreu até ao b club a lembrar-se do paladar de todas as bebidas que já tivera a oportunidade de provar. Ia na guinness quando começou a ouvir um piano balanceado por um swing vindo de algures à frente e à esquerda. Virou na seguinte à esquerda, acelerou o passo até se ver parado em frente a um vidro quase completamente opaco e castanho. Era dali que vinha o piano. Vinha também um contrabaixo e uma bateria. Sons repetidos e recomeçados com umas vozes pelo meio. Deviam estar a ensaiar. B club era o nome. Tocou à campainha duas vezes e a música parou. Cinco segundos de silêncio e alguém abriu a porta:
– Boa tarde! Ainda estamos fechados, os músicos estão a ensaiar mas só abrimos às dezoito…
Entretanto ele já reparou no selo azul dos fumadores. Não faz a mínima ideia das horas que são e só quer que aquele senhor de aspecto vivido e simpático o deixe entrar.
– Boa tarde! Falta muito para a hora de abrir? Não sei que horas são e este é o primeiro sítio nesta cidade onde me apetece realmente entrar…
- Faltam exactamente 17 minutos para abrirmos mas vou deixá-lo entrar porque estamos todos bem dispostos, mas não diga nada a ninguém – diz o ar vivido com um sorriso imperceptível no canto dos lábios – sente-se onde quiser, o que quer beber?
– Muito obrigado! - Responde ele com aquele ar de quem quer deixar claro que diz aquilo não por cortesia mas o faz sinceramente, – tem guiness?
– Não…
- Sagres?
– Preta ou branca?
- Branca.
Pára no canto do balcão, vê três homens a olharem para si do canto oposto da modesta sala e inclina levemente a cabeça na sua direcção num sinal misto de cumprimento e pedido de desculpa pela interrupção do ensaio. Os três homens retribuem o gesto e regressam à música. Aparece a sagres, um copo e uma base em cima do balcão. O anfitrião faz acompanhar isto por um “esteja à vontade”. Ele agarra só na garrafa e na base e, embora já saiba onde se vai instalar, demora-se educadamente a contemplar a modesta mas acolhedora sala. O anfitrião já está concentrado numa mesa de som cheia de botões e à qual estão ligados vários cabos. Os músicos já tocam e ele já pode regressar a si.
A sala está cheia de tons castanhos e brancos envelhecidos. Nada berrante, nada a mais, nada a menos, muitos cartazes, alguns ícones e clichés e muita madeira bem tratada. Vai para o canto que faz triângulo com o bar e o pequeno palco (e que não é o canto da casa de banho), senta-se no sofá de 3 ou 4 lugares, pousa a base, limpa o gargalo da sagres com a membrana que une o polegar ao indicador e bebe 3 goles de rajada enquanto ouve o piano, o contrabaixo e a bateria, a soar frenética e alternadamente por toda a sala.
Imediatamente depois de ter pousado a garrafa e se ter recostado o sofá, soube, sem dúvidas, quem era.