27.7.09

sem título, princípio, meio ou fim...

Decidiu agarrar em si e sair do hotel. Levantou-se, sentou-se na cama e apagou o cigarro no cinzeiro tirado da gaveta da mesinha de cabeceira. Apagou o cigarro com a convicção de quem se certificou que a bandeira está bem agarrada ao chão. Levantou-se, agarrou no tabaco, na carteira e nas chaves, espalhou-os pelos bolsos do casaco que entretanto tirou das costas da cadeira e vestiu-o em frente ao espelho enquanto fazia as pazes consigo próprio por não fazer a barba há uma semana. Apagou a luz e puxou a porta que se fez ouvir fechar depois de ele já ter dado dois passos no corredor. Percorreu o corredor abusado pelo odor de um qualquer perfume nitidamente feminino e desceu os 4 lances de escadas como que a trote, brincando com os ritmos do som de cada passo em cada escada. Como se corresse por cima das teclas de um piano em busca do som mais grave possível, porque os sons mais graves são mais envolventes, menos afiados. 

Saiu do prédio satisfeito por não se ter cruzado com nenhum olhar estranho e virou imediatamente à esquerda enquanto se lembrou que não tinha decidido nenhum destino para aquela saída repentina. Entrar no próximo café com mesas e cadeiras de madeira. É este o objectivo. Sofás e poltronas podia já ser pedir demais… dedicou o tempo que decorreu e as ruas que percorreu até ao b  club a lembrar-se do paladar de todas as bebidas que já tivera a oportunidade de provar. Ia na guinness quando começou a ouvir um piano balanceado por um swing vindo de algures à frente e à esquerda. Virou na seguinte à esquerda, acelerou o passo até se ver parado em frente a um vidro quase completamente opaco e castanho. Era dali que vinha o piano. Vinha também um contrabaixo e uma bateria. Sons repetidos e recomeçados com umas vozes pelo meio. Deviam estar a ensaiar. B club era o nome. Tocou à campainha duas vezes e a música parou. Cinco segundos de silêncio e alguém abriu a porta:  

– Boa tarde! Ainda estamos fechados, os músicos estão a ensaiar mas só abrimos às dezoito…

Entretanto ele já reparou no selo azul dos fumadores. Não faz a mínima ideia das horas que são e só quer que aquele senhor de aspecto vivido e simpático o deixe entrar.

– Boa tarde! Falta muito para a hora de abrir? Não sei que horas são e este é o primeiro sítio nesta cidade onde me apetece realmente entrar…

- Faltam exactamente 17 minutos para abrirmos mas vou deixá-lo entrar porque estamos todos bem dispostos, mas não diga nada a ninguém – diz o ar vivido com um sorriso imperceptível no canto dos lábios – sente-se onde quiser, o que quer beber?

– Muito obrigado! - Responde ele com aquele ar de quem quer deixar claro que diz aquilo não por cortesia mas o faz sinceramente, – tem guiness?

– Não…

- Sagres?

– Preta ou branca?

- Branca.

Pára no canto do balcão, vê três homens a olharem para si do canto oposto da modesta sala e inclina levemente a cabeça na sua direcção num sinal misto de cumprimento e pedido de desculpa pela interrupção do ensaio. Os três homens retribuem o gesto e regressam à música. Aparece a sagres, um copo e uma base em cima do balcão. O anfitrião faz acompanhar isto por um “esteja à vontade”. Ele agarra só na garrafa e na base e, embora já saiba onde se vai instalar, demora-se educadamente a contemplar a modesta mas acolhedora sala. O anfitrião já está concentrado numa mesa de som cheia de botões e à qual estão ligados vários cabos. Os músicos já tocam e ele já pode regressar a si. 

A sala está cheia de tons castanhos e brancos envelhecidos. Nada berrante, nada a mais, nada a menos, muitos cartazes, alguns ícones e clichés e muita madeira bem tratada. Vai para o canto que faz triângulo com o bar e o pequeno palco (e que não é o canto da casa de banho), senta-se no sofá de 3 ou 4 lugares, pousa a base, limpa o gargalo da sagres com a membrana que une o polegar ao indicador e bebe 3 goles de rajada enquanto ouve o piano, o contrabaixo e a bateria, a soar frenética e alternadamente por toda a sala. 

Imediatamente depois de ter pousado a garrafa e se ter recostado o sofá, soube, sem dúvidas, quem era. 

21.7.09

hoje outra vez...

parece que hoje é que faz 40 anos... hoje também faz 40 anos que se fez o primeiro transplante em portugal... bom bom era transplantarem-se cérebros...

20.7.09

apeteceu-me criar qualquer coisa... o espírito tava páqui virado...

poluição invisível


sedimentos negros e secos de verniz petrificado

ilusões peneirentas inversamente ajustadas

amálgamas poluidoras de cultura pop blop flop

camadas sobrepostas de veludo vermelho, sintético

lixo sensorial defecado p´la ambição do alter-ego

verborreias ditadas, imitadas da cópia original

odores putrefactos a fingimentos intelectuais

entorpecimentos convenientes das cousas factuais

prostituição regulada da beleza ensimesmada

vassalagem concordante com a demagogia vigente

ignorância barroca de aspecto pós-moderno

17.7.09

fez hoje quarenta anos

hoje, 16 de julho de 2009. fez exactamente 40 anos.


os dinossauros, que por cá andaram 150 milhões de anos, ou se extinguiram ou evoluíram e se tornaram aves.


nós, os humanos que cá andamos há cerca de 200 mil (diz-se que despertámos pá vida em áfrica mas que entretanto nos esquecemos), conseguimos – fez hoje quarenta anos – saltar e aterrar na lua. há milhões de anos que se olha para a lua mas fez hoje quarenta anos que este ser terráqueo de vida curta assentou os pés nessa intemporal imagem.

se nos lembrássemos disto mais vezes, tenho a certeza, seríamos seres ainda mais ricos, menos dados a pobrezas espirituais, mais impermeáveis a prazeres imediatos e sádicos, menos agarrados à pequenez das coisas. tenho a certeza que se nos conseguíssemos lembrar mais vezes do inclassificável feito que tem sido a passagem humana pela história do universo, seríamos ainda melhores seres humanos.


há pequenos acontecimentos nas nossas vidas, coisas de minutos, de segundos até, pequenos momentos no tempo que nos marcam uma vida inteira: encontros, desencontros, despedidas, tristezas, alegrias, amor, ódio, desilusão, ilusão, pequenos momentos recheados de emoções que nos fazem ser alguém diferente, um ser único. viagens à lua e dinossauros são temas que pouco mais fazem do que alimentar o imaginário de cada um. mesmo que hoje faça quarenta anos que tenhamos assentado os pés no chão da lua e que saibamos quem e como vivia quem viveu há 200 milhões de anos na terra, mesmo que assim seja, preferimos às vezes (vi)ver coisas “razoavelmente” mais pequenas.


o próximo passo é arranjar maneira de ter água na lua, depois da água já pode haver uma reserva de combustível e uma loja 24. entretanto e com esta paragem pela lua para recarregar baterias, conseguimos chegar a marte. a distância que encurtamos no universo é insignificante mas o feito em si é gigantesco.


entretanto continuará a haver guerras, mortes, fomes e epidemias até ao dia em que todos, mas todos, conseguimos olhar para cima.