6.4.11

Café O Tal

Café O tal, quatro e tal da tarde. Chuva na rua, muita, desde as dez da manhã. Entra uma jovem apressada, fugida da chuva e a sacudir o guarda-chuva do lado de fora da porta. Está com alguma dificuldade em segurar a porta e interrompe – já sem paciência – as frenéticas sacudidelas para entrar de vez no café. É bonita, é e sabe-o. Tem vinte, vinte e poucos e está habituada a ser contemplada à distância. Na primeira mesa do café está um grupo de três rapazes a apreciar a cena. Acordados há pouco, ressacados de certeza, estão a beber coca-colas, sumois e afins. As tostas-mistas já as malharam, fizeram um cagaçal de todo o tamanho com os guardanapos que, entre eles e os pratos, ocupam dois terços da mesa. Não evitam os sorrisos patéticos e as cotoveladas cobardes enquanto se babam a olhar para a jovem atrapalhada. Na mesa ao lado dos rapazes, um casal de meia idade, ele lê a bola e ela a caras. Há mais de meia hora que não se falam nem se olham. No canto oposto do café, outro casal, este mais velho, muito mais velho, já na idade de quem vive a vida a contemplar cada minuto e cada gota d’água que cai, como se cada dia vivido fosse uma dádiva só apreciada na sua plenitude por aqueles que, como eles, chegam aos oitenta lúcidos, juntos e cúmplices.

O narrador participante é finalmente atendido. Pede uma sandes mista e um galão. É só? Pergunta o empregado. É, responde o narrador. Mas que mania esta dos empregados - melhor, dos técnicos de atendimento ao público - acharem que os clientes sofrem de amnésia e se esquecem sempre de pedir qualquer coisa da qual só se lembram depois da preciosa ajuda revelada com o famoso é só?!

De regresso ao cenário do café, desta feita para registar a barulhenta entrada em cena de um grupo de executivos estrangeiros. É Berlusconi e a sua comitiva que depois de quase arrobarem a porta e atropelarem as mesas por onde passam, se dirigem ao balcão a perguntar por um tal de Khadafi. Parece que tinham combinado ali às quatro mas o outro está ainda mais atrasado.

2 comentários:

n disse...

..."já na idade de quem vive a vida a contemplar cada minuto e cada gota d’água que cai, como se cada dia vivido fosse uma dádiva só apreciada na sua plenitude por aqueles que, como eles, chegam aos oitenta lúcidos, juntos e cúmplices."

Bonito...
Já tinha saudades de te ler. Até cheguei a pensar, com susto, que tb tu achavas que o facebook podia cumprir o mesmo papel que o ice.
Aionda bem que estás de volta. Abraço grande.

João disse...

é bom estar de volta!

outro abraço